Perdon

Perdão por não ter perdido a esperança.
Talvez a minha torpeza resida em acreditar que o ponto de apoio de que falava Arquimedes é a imagem que de Roma devolve um charco no meio do deserto salgado.
Perdão por sonhar com as desaparições. Talvez tenha escolhido a ingenuidade de uma nuvem de aguarelas porque me aterra a frialdade dos cordões de sapatos.
Peço perdão à noite que não compreendeu porque desgastei a minha madrugada a coser o canto do grilo nas minhas pálpebras.
Perdão também pelos vaga-lumes e pela ração de boas-vindas. É possível que tenha inundado de equívocos o meu presente sem outra aspiração de futuro ou memória de passado que não seja a palavra libélula.
Perdão por me aferrar ao anjo protector que me ofereceu um poeta entre palavras vermelhas. Provavelmente confunde a linguagem dos caramujos azuis, esse que não crê no limite dos significados, sim, é muito provável que tenha confundido o idioma com a lei moral que me convida a chorar abertamente o destino das flores dos cemitérios, mas não me arrependo. Perdão pela minha condescendência pelas tumbas porque não são culpadas da cruz.
Perdão por abraçar a loucura e sorrir aos guarda-chuvas.
Perdão pelo guarda-vestidos cheio de palavras e pelas gavetas livres de souvenirs. Não sei a quem estou a pedir perdão e peço perdão por isso, por não saber pronunciar um nome a tempo e me perder entre as linhas de um instante banal, acontece-me sempre desenhar chapéus para não pintar o olhar e precipito-me nos abismos para não cumprimentar os espelhos.
Perdão por estar a reconhecer quanto medo tenho.
Perdão, e já termino, por acreditar que nunca fui embora e dizer que estou a voltar."

gloria martinez vicente

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